Era uma quinta-feira.. estava muitooo calor.. não consigo precisar em graus, mas a sensação que eu tinha, era de uns 40ºC as 9h da manhã…. a programação era eu trabalhar até umas 16h e depois ir retirar um bilhete único novo… (meu bilhete único era muito antigo, e como eu tinha iniciado o estágio em um Hospital da Paulista, eu usaria ele todos os dias, então precisei fazer um novo!)
O dia foi uma correria… eu passei o dia todinho em pé… andando de um lado para o outro do hospital… sentei durante 15 minutos para almoçar, e só! Nem percebia mais que tinha ar condicionado no hospital todo, de tão cansada que eu estava!
Quando eu coloquei o pé na rua, imediatamente senti minha perna tremer! O Choque da temperatura não pegou legal…. pra quem conhece SP, eu estava na parte baixa da Brigadeiro, e subi até o metro na Paulista… os 40ºC nessa hora já tinham virado 80ºC e eu já poderia ser facilmente confundindo com a Peppa Pig, estava completamente rosa! Mas eu ia buscar meu bilhete e nada ia me deter, nem mesmo minha perna que agora nemmm tremia mais… ela evoluiu e agora estava pulsando e formigando!!! = (
Não consigo descrever o sentimento que tive, quando cheguei no terminal, e a fila para o guichê de bilhete único estava dando volta! Eu entrei na fila, e clarooooooooo… fui fazer o que todo mundo normal faz, quando entra em uma fila… contar quantas pessoas estão na sua frente…
Dei umas estimadas, sobe um vai oito, menos quatro, divide por dois … calculei me baseando em puro chute, que eu ficaria 2 horas na fila… a perna quando formiga, fica pesada, parece que tem uma bola de peso amarrada nela… eu não ia aguentar…
Eu estava com a minha carteirinha da ABEM-Associação brasileira de esclerose múltipla, (pra quem não sabe sobre esse detalhe da minha vida, eu conto em vários posts aqui), o que na maioria dos lugares, me dá direito a atendimento preferencial… olhei pra fila de preferencial… tinham um cadeirante, uma grávida, uma moça com um bebezinho no colo e por último outra grávida… pensei… quando os 4 forem atendidos.. se o caixa preferencial ficar livre eu vou lá!
Eu não tinha nada a perder.. ou desistiria e ia embora, ou entraria na preferencial e no máximo a atendente se recusaria a me atender e eu iria embora… resolvi tentar! E assim fiz.. quando a última gravida estava sendo atendida, fui pra fila preferencial, como primeira da fila…
Comecei a ouvir uns burburinhos na fila que eu estava, a de não preferenciais… mas preferi não olhar… o bilhete da grávida devia estar com algum problema, porque demorou muitoooo o atendimento dela… e nisso os barulhos da fila foram ficando cada vez mais altos… eu já conseguia ouvir vindo de lá:
– Folgada!
– Por causa de gente assim que o Brasil ta desse jeito!
– Sem noção… você é burra ou o que?
– Esse tipo que quer tirar vantagem de tudo tem que apanhar!
– Saí daí ridícula!
– Gordura não é deficiência não viu?
– Mas é muito folgada mesmo…
Chegou um rapaz de muleta na fila… eu estava muito desconfortável… tentei falar com ele, mas minha voz não saia, só consegui gesticular, pra ele ir pro meu lugar, e me posicionei atrás dele… Nessa hora fiz a besteira de olhar pro lado… as pessoas estavam me filmando… uma moça veio bem perto de mim com o celular na mão, colocando por baixo pra filmar meu rosto… me xingando e falando coisas horríveis…
Eu estava me sentindo de volta aos recreios da terceira série.. uma gritaria de fundooo… uma vontade gigante de correr… uma certeza, de que eu não estava fazendo nada de errado… e milhões de pensamentos passando na minha cabeça…
– Quem essas pessoas pensam que sãooo?? – Putz essa daí se vier pra cima vou ter que correr! – Eu podia me poupar de passar por isso e ir embora né? – Mas droga, eu preciso muito desse bilhete! – Será que se eu voltar pra fila normal, fica de boa de novo? – Se amanhã viralizarem post com foto minha, preciso pensar em um texto pra explicar! – Eu não quero ser cancelada na internet, pelo amor! – Meuuuuuuuu minha papada fica horrível em foto de lado, será que eu viro? – Será que to sendo folgada mesmo? – Será que só viro e mostro a carteirinha? – Eu não acredito que to passando por isso!
Enfimmmmm chegou minha vez de ser atendida… entreguei meu RG e a carteirinha da ABEM pra atendente… ela conferiu e começou a me atender… os gritos da fila ficaram bem altos… um rapaz jogou uma pasta no chão, tomei um susto.. quando eu olhei, eles tinham chamado um segurança…
E eu só posso agradecer muito, a delicadeza e eficácia no trabalho desse segurança! Ele foi até o caixa do lado, pediu para a moça conferir se o guichê preferencial, estava atendendo só preferencial e se estava tudo certo… as duas por trás do guichê se falaram… a atendente confirmou e ele gritou em alto e bom som pra fila toda ouvir:
– Todas as pessoas atendidas na fila presencial, são preferenciais e ali devem permanecer e serem atendidas!
Teve grito… teve protesto… mas pra minha cabeça já tinha virado Carnaval de Salvador, e eu nem conseguia mais identificar o que estava sendo falado! Peguei meu bilhete e fui embora..
Foi triste! Dói ser julgada, se sentir injustiçada… Confesso que fui embora chorando… me senti impotente e covarde… mas depois de um banho… e de dividir com a minha família e com amigas queridas o que tinha ocorrido, fui entendendo melhor a situação…
E porque eu não virei pro lado e expliquei porque eu estava ali??? Eu achei que seria uma agressão muito maior ter que me expor… explicar o que era a EM, como eram os sintomas momentâneos… o que o calor provocava… e acredito que a aquelas pessoas nem queriam ouvir explicação alguma!! O que elas fizeram diz muito mais sobre elas, sobre a insatisfação delas de estarem na fila… do que o fato de eu estar na preferencial, afinal, para elas, quanto menos pessoas na fila normal, deveria ser melhor!
Essa não foi a primeira, e acredito que nem será a ultima vez que sofrerei com algo do tipo… e eu também demorei pra aprender que deficiências invisíveis existem e devem ser respeitadas!!!
Eu aprendi a compreender meus sentimentos e a lidar com eles.. com essa e outras histórias eu aprendi muito sobre julgamento e autorresponsabilidade… e posso e quero te ajudar também!